quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Poema 82

Ele era um menino pequeno e tinha cabelos que gostavam de dar voltas. Ele mudava de lar freqüentemente, e às vezes achava que até mesmo de pais. Mudando com freqüência, mudava de escola também e, assim, desde os cinco anos (que era quando ele conseguia lembrar-se) amava uma menina da sua sala por ano. Amava em cada uma algo estranho, o correr da primeira, o contornar o visto no caderno da segunda, o ajeitar da saia (que dava voltas em seu corpo magro) da terceira - e assim que aos seis aprendeu a ler direitinho, ia ver a avó somente pra abrir suas revistas de horóscopo e ver se seu signo combinava com o de cada uma das meninas. Amou cada uma e levou em si pedaços disso até seus dez anos. Foi quando deitou em cama sem saber como levantar. Nem as revistas de horóscopo da avó puderam salvá-lo, nem a recordação da quarta menina que lhe beijou o rosto após um amigo secreto quando ele lhe deu um estojo de gatinhos. E um belo dia, sua mãe viu ele sair pela janela e o corpo ficar sob os lençóis. Ela inundou a banheira, e só conseguiu sair de lá com a avó do menino (já sem as revistas de signos). Ele se apaixonou pela lua minguante.


(ouço - "Broken Bottle" por Pete Yorn)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

A gente

Nós não costumávamos falar bonito, mas amávamos poesia. Nós éramos fruto dado do asfalto. Nós falávamos “a gente”. A gente não costumava se importar com a tonelada de ar do mundo. A gente engolia pessoas. A gente bebia até as três da madrugada e achava pouco ainda, tirava fotos e escolhia as mais bonitas para guardar na gaveta do peito.
A gente andava até quilômetro pra chegar a alguma festa. A gente queria ver gente. A gente queria esquecer. A gente deitava no terror da manhã cinzenta, a mulher chorava, a gente lia gibi meio que para disfarçar e escutava Pedro The Lion. A gente queria passar de europeizado, culto, diferente. A gente comia mesmo era ovo mexido e tomava café pingado. Assumia: a gente gostava mesmo era de canções tristes mesmo negando por tantas horas. Alguns, da gente, se tocaram que bebiam não por gostar, mas para engolir o mundo.
A gente acordava meio torto ainda e, ao ver que ainda era manhã bem cedinho, xingava para si um grito rascante à décima terceira e à décima quarta constelações do zodíaco que pariram a figura da gente e que despertaram o nosso corpo, calor do inferno. A gente queria era morrer às vezes, só para quebrar a rotina.

Pedro Y.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Poema 73


Tem quatro eus pela calçada tramando contra mim;
Tem quatro eus pela calçada suspirando para mim;
Tem quatro eus pela calçada bebendo cachaça para me distrair;
Tem quatro eus pela calçada assombrando minha plenitude;
Tem quatro eus pela calçada e o quinto eu suspira sozinho;
Tem quatro eus pela calçada carregando o que sobrou da noite;
Tem quatro eus pela calçada bambeando esquina a esquina;
Tem quatro eus pela calçada fazendo um plano para matar o quinto eu;
Tem quatro eus pela calçada querendo me matar.

Pedro Yuri